Daqui até o fim do ano, a Austrália pretende tomar uma decisão inovadora: exigir que todos os produtos de tabaco (cigarros em particular) tenham embalagens idênticas, verdes lisas, sem logotipos ou qualquer variação gráfica. Assim, os nomes da marca e do produto terão que ser impressos num tipo único e esta condição deverá ser estendida para a propaganda dos cigarros nos pontos de venda. Ou seja, o negócio é tornar menos atraentes produtos que, comprovadamente, devastam a saúde das pessoas.
Evidentemente que a decisão, além de inovadora, é polêmica, visto que, de alguma forma, atenta contra a liberdade de divulgação das marcas, mas aqueles que a propõem e estão empenhados em aprová-la no Senado, têm suas justificativas. A mais contundente delas é que a medida visa desestimular o consumo do fumo e, portanto, está em sintonia com o interesse público. Afinal de contas, diminuir o consumo de cigarros é bom ou não é?
Controvérsias à parte, o que interessa é chamar a atenção para o fato de que não é possível tolerar a venda facilitada de cigarro ou demais produtos do tabaco porque eles são nefastos, comprometem drasticamente a saúde dos cidadãos (matam mesmo, ou alguém tem dúvida?) e não passam de drogas (aquilo que vicia e penaliza a saúde), embora de livre comercialização (os Governos adoram os impostos pagos por esta indústria poderosa!).
Por aqui, o Governo, depois de sinalizar para o aumento dos impostos sobre os cigarros, deu uma recuada e empurrou o problema para 2012, o que deve ter provocado gritos de alegria das tabaqueiras que vêem assim, no final do ano, mais motivos para aumentar os seus lucros formidáveis. Ao mesmo, continua em compasso de espera a decisão, também acertada, de proibir a incorporação de aditivos nos cigarros com o objetivo explícito de favorecer o seu consumo, sobretudo pelos jovens.
A intervenção do Governo e da sociedade em assuntos que dizem respeito à saúde, a qualidade de vida dos cidadãos não pode ser, em todos os casos, considerada prejudicial porque, muitas vezes, não há outra alternativa senão coibir abusos, impedir que interesses espúrios continuem prejudicando um número significativo de pessoas. É evidente, jornalistas que somos, que temos restrições a ações que limitam a liberdade de expressão mas bater firme em determinados setores industriais (tabaco, agroquímicas, indústria de armas e de bebidas, medicamentos etc) é essencial, dado o seu impacto no meio ambiente e na saúde. Impedir a propaganda de cigarro, de agrotóxicos, de alimentos que contribuem para a obesidade, especialmente de crianças, de bebidas etc nada tem a ver com restrição à liberdade de expressão, embora este seja o argumento falacioso dos setores que se opõem à medida. É hipócrita também a tese de que os setores podem se auto-regular porque, no fundo, agem cosmeticamente (apenas para inglês ver) e continuam perpetuando os seus abusos. Ninguém, em sã consciência, acredita que a raposa possa ser gentil quando lhe é dada a função de proteger o galinheiro e, invariavelmente, é assim que agem as entidades de regulação. No Brasil, é sintomático ver como se agrupam anunciantes, meios de comunicação, agências de propaganda para, em voz uníssona, defenderem a liberdade de expressão quando a gente sabe que a eles só interessa continuar vendendo, lucrando, sem controle algum. Ou seja, querem se proclamar como acima de qualquer suspeita, mas o macaco jamais consegue esconder o rabo e as suas intenções.
Há exemplos que se multiplicam da atuação predadora, destes setores que têm uma história nada bonita, caracterizada pela falta de ética, transparência, respeito ao consumidor, agressão ao meio ambiente e assim por diante. O Governo e a sociedade, em função disso, têm a obrigação de não apenas promover o debate sobre questões associadas à sua trajetória e atuação nocivas, mas de tomar medidas para evitar que eles, em nome da ganância, continuem destruindo vidas e causando prejuízo considerável para o Sistema Único de Saúde.
É indispensável estar atento, vigilante, com disposição para denunciar este lobby (nada contra o lobby porque ele, se autêntico e feito transparentemente, é um processo natural numa democracia), mas o que geralmente acontece é que as coisas acontecem por debaixo dos lençóis, o que, de imediato, indica que estamos diante de situações que nada têm a ver com a democracia, a cidadania, a ética ou qualquer um destes atributos valorizados na sociedade moderna.
Urge mobilizar os cidadãos, a sociedade, os meios de comunicação (nem todos estão comprometidos com esta ganância odiosa de determinadas corporações), os comunicadores, os educadores para esta cruzada a favor do interesse público e ela incorpora uma visão lúcida, objetiva sobre o que representa o tabaco para a vida de todos nós.
É imperioso ressaltar que os fumantes devem ser olhados de maneira diferente daquela com que contemplamos as tabaqueiras porque, na prática, são vítimas de um processo insidioso que leva ao vício e merecem ter a atenção devida das autoridades, acesso a tratamento etc. Além disso, é indispensável o combate vigoroso ao contrabando que ocorre a olhos vistos, com a complacência ou a incompetência das autoridades.
Vamos aumentar brutalmente o preço dos cigarros (está provado que isso reduz o consumo), com impostos progressivamente mais caros e que possam ser destinados especialmente para a saúde pública; vamos coibir ações de propaganda/marketing que induzam ao consumo, sobretudo crianças, jovens e pessoas desfavorecidas. Vamos insistir na divulgação maciça dos malefícios do tabaco e punir todos aqueles que estão empenhados em continuar matando milhões de pessoas em todo o mundo.
Esperamos também que entidades, veículos de comunicação não mantenham a visão estreita de conceder às tabaqueiras prêmios de coisa alguma (dar prêmio de sustentabilidade para empresas que matam sem piedade os seus consumidores é de um cinismo aterrador!) porque elas, ainda que legalmente (até quando?) produzem e comercializam drogas (embora tenham tentando enganar-nos a todos durante décadas, vendendo cigarro como bem-estar, sucesso, aquela história odiosa do glamuroso "caubói" sem alma, garoto propaganda que morreu de câncer!).
A Austrália está certa em aumentar o cerco contra o tabaco e ficaremos no aguardo da decisão. É lógico que não nos surpreenderá que as empresas que dominam o mercado consigam barrar estas medidas porque elas têm tentáculos poderosos e não brincam em serviço (é dinheiro demais em jogo!).
Vai chegar um dia que os Governos, e o nosso também, arrumará uma alternativa para a receita que provém do tabaco e para as famílias que dependem da produção do fumo para sobreviverem. Mas, outra vez é preciso desmascarar a tese da indústria do fumo, porque o argumento de que o setor emprega muita gente (e por isso devemos tolerá-lo) não é o melhor: a bandidagem, a indústria de drogas, a indústria da guerra também, se formos raciocinar deste jeito, empregam muita gente e não podemos conviver harmoniosamente com elas).
O fumo mata, com ou sem aditivo, com ou sem avisos nos maços de cigarros. É dever do Estado, da sociedade, dos grupos organizados trombetearem esta realidade. O resto é hipocrisia e cinismo que se incorporam às teses da auto-regulação, da liberdade de escolha e outras baboseiras que setores nefastos querem nos empurrar goela abaixo.
Em nome da saúde, da ciência, do bom senso, da cidadania, do interesse público, olho vivo na indústria do fumo. Não há dúvida de que ela nunca jogou, não joga e nunca jogará a nosso favor. Nunca será limpo o lucro que se obtém à custa da vida de milhões de pessoas.
Duas leituras recomendadas, ambas de colegas jornalistas: Cigarro, de Mário César Carvalho, publicado pela Publifolha e Sem filtro: ascensão e queda do cigarro no Brasil, de Madeleine Lacsko, publicado pela Editora Cultura. Se dispuser a lê-los verá que o diabo é mais feio do que se pinta. Não será por este motivo (Freud explica?) que as duas maiores empresas de tabaco tem "cruz" e "morris" no nome? Eu, hein?
E verdade! Uma das consequências do tabagismo é a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica)
ResponderEliminarAproveito para deixar um vídeo de um flash mob realizado pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia, para alertar para a DPOC. Vale a pena ver :)
http://www.youtube.com/watch?v=nrJMavQgUf4&feature=channel_video_title